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(DES)HABITO: PAISAGENS E MEMÓRIAS

Reencontro comigo ao desalinhar memórias 

Conheci o poder do (des)habitar: nada melhor que o sentimento de não habitar o lugar que mais me causou sentimentos ruins e que tanto me enfraqueceu. Parece um ato tão simples, porém, longe de mim mesma, ou seja, esquecida de meu potencial, força e coragem, tratou-se de uma das atitudes mais difíceis que já tomei na vida, pois significa que, pela primeira vez, pensei em mim, e defendi-me, quebrando o padrão que se seguiu por anos, segundo o qual eu sempre estive de forma subordinada às vontades alheias. A liberdade que experimentei ao me retirar da casa mais tóxica que já habitei, de forma consciente e decidida, foi a melhor sensação que eu já vivenciei e o ato de não mais pertencer a ela tornou-se um trabalho psicológico e físico na minha vida: comecei a perceber que outros lugares e pessoas que eu habitava, de fato, já não deveriam mais caber em mim. Assim, comecei o processo de (des)habitação. A escolha de um texto literário para ser incorporado ao meu corpo, no exercício proposto e intitulado Literatura Incorporada: inscrições poéticas no corpo, a partir da literatura que se encontra na casa em que se habita, referente ao “Módulo Espaço Vivido”, da disciplina Projeto Avançado Espaço, Tempo e Forma, foi imediata: sabia que precisava usar os poemas escritos pela minha mãe, em 1990, quando ela tinha apenas 20 anos, e que tratavam de suas vivências com o amor e suas dores. Seguindo essa lógica do (des)habitar, fiz inscrições de seus poemas em minha sombra projetada na parede, como forma de destacar a minha ausência desses espaços metafóricos que já não habito mais. Ao tomar uma de suas poesias, inscrevi as palavras em fragmentos de papel, de forma a associá-las em novas composições textuais, num jogo semântico em que novos sentidos foram sendo registrados fotograficamente. Assim, sugeri novas perspectivas e sentidos para o que, até então, havia sido definido por minha mãe. Fiz uma seleção dos poemas e me decidi por um com o qual mais me identifiquei e relacionei com a minha própria história. Ele fez crescer em mim sentimentos angustiantes e tristes, ao revisitar esses lugares já (des)habitados. Eu e a minha mãe fomos entrelaçadas, em mais uma dimensão e convergência espaço/tempo. Num movimento de ressignificação de sentidos, passei a reconstruir também as minhas próprias memórias, numa tentativa de retirar-me da posição de vulnerabilidade e fraqueza na qual sempre habitei, passando a me olhar com mais cuidado, amor e respeito.

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